My Love que te quero e que te odeio

Num ano desses de que já não me lembro agora, e não me quero dar ao trabalho de ir ao Google para resolver essa lembrança, com a Patrícia Reis em Maputo, assim, numa daquelas perguntas de praxe no jornalismo, perguntei se se lembraria de Maputo e o que lembraria. Minto (agora lembrei-me, afinal
publiquei essa conversa em algum lugar), perguntei exactamente “qual é o “extraordinário” no my love”? Respondeu-me com um autêntico “não sei” (que não escrevi no tal texto). E deu-se tempo para pensar um instante, suspirou, depois de voltar os olhos para o planeta terra, “o extraordinário é dar um nome a
um transporte colectivo, não organizado, que implica afecto”. Calei-me. E fui a correr para fechar o texto para a revista onde me conferiam algum espacito para fazer algumas coisas de vez em quando.
Penso hoje no my love. Certamente, um tema desinteressante para se falar e escrever. É mais fácil gozar e memizar, os memes não têm azar, toda gente gosta de algum gozo, de gozação. A Malika, minha filha, por exemplo, às vezes faz-me perguntas de gozar, só para testar-me a atenção. Mas outra vez, a mãe mesmo é que lhe venceu nesse perguntar sem azar, “barriga da mamã faz o quê?” e respondeu-lhe ela sem pensar (essa até eu não pensava, só não teria palavras certas) “faz hõi hõi hõi…” foi para a gargalhada infinita. E até hoje vejo-me a rir sozinho recordando a resposta enquanto abraço no my love.
Encontrar uma expressão para nomear a precariedade, o perigo, a insegurança, o desespero e a única esperança que nos resta perante a falta, merece mais do que criatividade, é imaginação. A vida é feita por dois extremos, entre aqueles que andam de my love e aqueles que não andam de my love. Podia ainda incluir a classe daqueles que já andaram de my love e se esqueceram e daqueles que só os pais, irmãos e outros familiares andam de my love e simplesmente isso não os atinge. Há ainda as classes dos políticos/governantes, esses são os piores.
Inventaram um my love de luxo que dizem dar “dignidade” a quem sobe e quem os vê a subir. Sobretudo, a quem interesse falar de dignidade enquanto passa do outro lado da vida, onde Deus já passou e deve ter uma Maria…
Voltando ao meu bairro, onde dá-me imenso gozo – façamos de conta, pois bem – ser o que anda de my love e olha de cima do camião os que nos olham sempre perplexos com nosso balancear, ora de frente para traz, ora de esquerda para a direita, em danças em círculos, torneando a cintura, enquanto nos abraçamos no vão do medo de cair. Oiço sempre as notícias de uma pickup que abriu o taipal e “despejou” gente enquanto andava a uma velocidade ilusória de 120km/h – não imagino como uma camioneta na sétima vida andaria nessa velocidade numa estrada sem asfalto e cheio de lombas artificiais, para não dizer covas e lagoas. A mim mesmo, como provo em estar vivo e caminhando nas ruas urbaníssimas de Maputo, em alguns eventos de luxo – ai que saudade dos cocktails de lançamentos de livros ou saraus culturais – e vou saindo na televisão falando de problemas que não são os problemas da maioria da minha gente… nunca aconteceu que caísse vítima de um my love desgovernado ou saturado de gente que já não suporta o abraço.
Na terra onde se faz amor abraçados em público, cambaleando, quais embriagados da nossa orfandade incompreensível, quando compradores de sonhos daqueles que andam de Mercedes e D4Ds, Rangers e uma nova classe de burgueses, os mahindrados sem casta. (este parágrafo não existe).
Dito isto e aquilo que não disse e que só experimentando o my love nosso de cada dia poderá alguém compreender, não direi mais nada. Mas quero mesmo ler, um dia, o romance de Patrícia Reis sobre my love, mesmo que seja somente para encontrar um personagem, alguém, pelo menos deverá humanizar o my love, que de resto, nós agradecemos que se aumente o número no meu bairro.

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