Suzy Bila é uma artista complexa, que consegue unir o conceptual e o devaneio, a lembrança e o sonho, que faz confundir a saudade e a nostalgia, ou a crítica e a constatação. É uma artista existencialista.
Suzy Bila é um nome que circula distante do horizonte comum das galerias de Maputo, a cidade que a viu nascer, crescer como pessoa e a despontar nos anos da paixão ilusória pela arte de pintar. Foi às espreitadelas que viu o pincel a compor o seu universo imaginário, pela mão de mestre Noel Langa, lá no bairro Indígena, hoje Munhuana, com quem mais tarde, mas ainda moça, viria a “aprender” a pintar, a encontrar nas cores, estórias, sensações, gentes e lugares e a dar asa à sua realidade imaginária.
Parece complexo compreender o embrião artístico assim, uma realidade imaginária, ou a magia das realidades que exigem da autora, mais do que uma simples contemplação, o questionamento. Essencialmente, é disso que é feita a artista Suzy Bila, pode se notar na exposição “nua e crua”, um projecto que começou por ser “as flores que nunca murcham”, que teria sido no Museu Nacional da Arte, mas que veio a cair no CCBM – Centro Cultural Brasil-Moçambique, em Maputo, que é dirigido pelo conhecido homem das artes Jorge Dias que, sem dúvidas, foi motor para esse desfecho.
Um conjunto de obras que nos faz viajar pelas raízes da autora, pelo percurso artístico e suas experiências de vida, mas também pelo seu pensamento e suas insónias. Suzy Bila é uma artista complexa, que consegue unir o conceptual e o devaneio, a lembrança e o sonho, que faz confundir a saudade e a nostalgia, ou a crítica e a constatação. É uma artista existencialista.
“Num olhar às suas telas, vem a poesia, o devaneio, naquelas imagens em que não dizem, sussuram coisas que habitam à nossa volta, mas são como pedaços de inexistências.
Aliás, enquanto pausa-se o olhar pelas telas enormes, frases, inspirações poéticas, dão mensagem a uma mensagem que já vem densa pelas cores que compõem os seus quadros.
O nascimento de um novo ser, as dores do parto, o alívio de quem vê as lágrimas desse ritual de povoar o mundo, ou a alegria, de quem sabe que o mundo é assim, os homens e as mulheres, vem do ventre, essa sina que, ora fortalece, ora fragiliza quem gera, alí está, em obras que querem dizer mais do que se pode ver, é essa a impressão que fica na sua expressão.
O vermelho que escorre como uma lágrima num vale em que escorrem todas as angústias, vermelho, ora que nos pode enganar com o erotismo ora como uma marca indelével das feridas que não podem mais sarar, nem na memória da criadora, nem da criança que cresceu no bairro de Maxaquene, ao pé do Posto de saúde 1º de Maio e assistiu a cenas de mulheres no (des)espero do parto, pelo corredor do hospital, aos gritos, aos prantos, aos gemidos de quem espera e desespera.
Um conjunto de obras que remete ao silêncio que grita por dentro, é a arte a despir a podridão que se esconde entre quatro paredes, a paixão ardente, o ciúme doentio ou uma tal masculidade que fere e mata. Um quarto em que se guardam todos os segredos de uma sociedade em que os seres acreditam-se puros. É a mulher e os dilemas de que já foram retratados, mas tampouco com essa realidade em que a sua “sensibilidade” reclama a atenção.
Resumir, por isso, a obra de Suzy Bila, ao mundo controverso e intrigante da mulher seria reduzir uma artista de mão cheia, que já não tem mais nada a provar. A sua obra vai para além do limite do normal. É a poesia em todas as línguas e linguagens ou o silêncio que canta, ou o decanto do medo e ainda um hino à memória, afinal, “nua e crua”, é, sobretudo, um presente do tempo aos olhos de ver…